Laura nĂ£o sabia por onde começar sua busca. Encontrar o
garoto de cabelo carmesim, avaliava, seria tarefa difĂcil. O sonho a
atormentava todas as noites. E nunca conseguia ver com clareza o rosto do
rapaz.
Decidiu que sairia do Distrito 16. Para onde? NĂ£o sabia. Mas
havia pensado em conseguir dinheiro para a busca. NĂ£o seria fĂ¡cil, afinal,
manter-se durante uma jornada que poderia levar sabe-se lĂ¡ quanto tempo. Seu
primeiro plano era participar do Torneio MĂstico.
A competiĂ§Ă£o colocava dezenas de magos e guerreiros lutando
em batalhas de um contra um, até que apenas o mais forte restasse e levasse o
prĂªmio principal, com uma generosa quantia de bits e um trofĂ©u, alĂ©m do tĂtulo
de campeĂ£o atĂ© a prĂ³xima ediĂ§Ă£o do torneio, que seria em cinco anos.
Saiu de casa no primeiro horĂ¡rio. O sol ainda nĂ£o dera as
caras, mas em breve apareceria para ressaltar o cinza de todas as construções
do distrito. Acelerou os passos. Queria chegar rĂ¡pido ao guichĂª mais prĂ³ximo
para se inscrever.
No caminho nĂ£o conseguia parar de pensar no rapaz que vira
em seus sonhos e na loucura eu estava vivendo. Como iria colocar a prĂ³pria vida
em risco por alguĂ©m que nĂ£o conhecia? Se consultasse os amigos, provavelmente
eles diriam que Laura enlouqueceu de vez.
“EntĂ£o vai tentar manter o tĂtulo de campeĂ£, hein?”. O
sorriso malicioso e amarelado do atendente poderia ser visto de longe. As rugas
apontavam sua idade, pouco mais de 300 anos. E ele ainda se lembrava do dia em
que Laura sagrou-se como campeĂ£ e ganhou o tĂtulo de dama do fogo.
Apesar de nutrir certa simpatia pelo atendente, ela estava
perdida em seus pensamentos. Murmurou algo, mas nĂ£o teve certeza do que era.
Apresentou os documentos e finalizou a inscriĂ§Ă£o. Levou mais tempo para ir ao
guichĂª do que para confirmar mais uma participaĂ§Ă£o.
Sentiu que alguns olhares se voltaram a ela. NĂ£o era de se
estranhar. A jovem era tida por muitos como garota prodĂgio. Ficou conhecida em
todos os distritos ao derrotar um general que foi campeĂ£o do torneio por quatro
edições consecutivas.
Ainda lembrava-se do rosto dele. Um homem com décadas de
experiĂªncia, ocupando alto cargo na OrganizaĂ§Ă£o, a maior corporaĂ§Ă£o paramilitar
do mundo, e que caiu diante de sua força. Patético. Havia até mesmo se
esquecido do nome do indivĂduo.
A dama do fogo ficou parada, perdida em suas memĂ³rias. NĂ£o
fazia ideia de quanto tempo ficara no local de inscrições. Ao seu redor
formava-se uma multidĂ£o. Todos, Ă© claro, querendo participar do Torneio
MĂstico.
Enquanto alguns estranhavam ver a campeĂ£ atual parada,
outros acreditavam que aquilo era algum tipo de estratégia, que a dama do fogo
estava sentindo a aura de força dos competidores, avaliando e procurando alguém
que pudesse ser um desafio. ArrogĂ¢ncia natural de vencedora, diziam alguns.
Deve perder nas qualificatĂ³rias, murmuravam outros.
Nada daquilo era ouvido por Laura. Em dado momento ela teve
um estalo. Lembrou-se que apĂ³s vencer o torneio anterior fora entrevistada e
mandou um recado a todos. Caso ganhasse novamente, poderia mandar uma mensagem
ao combatente carmesim. Certamente ele veria.
Enquanto ouvia vozes e mais vozes ao seu redor, a dama do
fogo começou a se mover. O saguĂ£o onde ficam os guichĂªs de inscriĂ§Ă£o ficou
lotado. Milhares de competidores, ou aspirantes a competidores, se misturavam.
Podia sentir a energia fluindo dos futuros combatentes.
Enquanto andava, Laura sentiu um desconforto. Era como se
algo ou alguĂ©m tivesse perturbado o equilĂbrio energĂ©tico do local. Seria a
Ăºnica sentindo isso? Olhou em volta e percebeu que nĂ£o, pois os outros
presentes demonstrava expressões de dor.
Tentou aguçar os sentidos, encontrar a fonte do distĂºrbio.
Fechou os olhos, concentrou-se. Vinha da ala leste e estava se movendo. A aura
era de um monstro, sentiu a dama do fogo. Ao lado do misterioso indivĂduo
andavam outras duas pessoas, com fortes auras energéticas também. Porém eram
quase nulas comparadas Ă s dele.
De repente, a energia cessou. A dama do fogo sentiu uma
pressĂ£o enorme deixar seu corpo. Os outros presentes tinham rostos aliviados,
com expressões leves. Claramente o monstro suprimira sua aura. De que forma?
Aquilo era realmente possĂvel? Ou alguĂ©m dera cabo do ser misterioso?
Intrigada, Laura teve uma ideia. Rastrear os acompanhantes
do indivĂduo. Ainda se movimentavam pela ala leste, porĂ©m a aura que estava
entre eles agora era comum. Decidiu investigar.
Demorou até que chegasse aos suspeitos. Identificou uma das
trĂªs figuras. Era uma mulher de estatura mediana, cabelos escuros como a noite.
Estava toda de preto, dos pés ao pescoço. Ao lado dela um homem de cabelo
prateado, também de estatura mediana e trajado com roupas pretas.
NĂ£o conseguiu encontrar o dono da aura monstruosa. Estava
prestes a se convencer que fora um pequeno delĂrio quando viu ele. Alto. Vestia
uma jaqueta de couro, preta. A calça, jeans, do mesmo tom. Calçava um coturno
também preto.
O cabelo era castanho, mas lhe parecia familiar. O corte, o
penteado. Lembrava alguĂ©m. O rosto nĂ£o era estranho a Laura. Quanto mais se
aproximava, mais tinha certeza de que o conhecia.
“NĂ£o pode ser”, pensou. Devia estar enganada. Seria ele? O
combatente que aparecia em seus sonhos. Aquele por quem Laura se vira tantas
vezes jurando proteger durante seus devaneios? Todas as caracterĂsticas fĂsicas
batiam. Exceto a principal. O cabelo era castanho. Os sonhos a enganaram? NĂ£o.
Sem dĂºvidas era ele.
O homem olhou para trĂ¡s, parecia estar procurando algo, alguĂ©m.
Laura se escondeu. Como se aproximar? Deveria insistir na loucura? Eram tantas
dĂºvidas que mal conseguia pensar. PorĂ©m uma certeza ela tinha. Se o que
acontecera momentos antes foi real, os dois invariavelmente se cruzariam
durante o torneio.
Este post faz parte do projeto "Contos de Naroly", com atualizações semanais. Siga o autor no Wattpad.