Dor. Foi o que Laura sentiu antes de abrir os olhos. Ao
mesmo tempo em que incomodava, a dor lembrava que a dama do fogo havia
sobrevivido. Mais do que isso, a jovem também se sentia humilhada.
Em todos os seus anos como combatente e mercenária
profissional, Laura nunca havia amargado tamanha derrota. E o culpado era
aquele homem. Do cabelo castanho. Ou era carmesim? Tinha certeza de que algo
estava errado.
As luzes da enfermaria começaram a incomodá-la. Estava
praticamente sozinha no quarto. Ao menos três outros leitos eram ocupados por
pessoas que foram derrotadas no Torneio Místico. Estranhou não ver algum médico
ou enfermeira no local.
Conseguiria se levantar? Tentou. Conseguiu. Saiu do quarto e
foi para o corredor. Começou a ouvir um alto barulho. Eram vozes, de milhares
de pessoas. Percebeu que do lado de fora estava a arena. A final do torneio
estava prestes a começar. Por sorte, Laura acordou a tempo de ver a última
luta.
Se misturou em meio à multidão nas arquibancadas. Os narradores,
animados, anunciavam o último confronto. Eciel, do Distrito 19, o rapaz de
cabelos castanhos, entrava de um lado. Do outro estava Evard, o general que
fora derrotado pela dama de fogo na edição anterior do torneio.
Aquele que era considerado o rosto da maior corporação
paramilitar do mundo parecia diferente. Seus olhos pareciam não ter pupilas e
íris, pois eram inteiramente brancos. Os cabelos estavam grisalhos. No entanto,
parecia estar em seu auge físico. Eciel, se este era seu nome mesmo, seria facilmente
derrotado, pensou Laura.
O combate começou. Evard se movia muito rápido. Avançava e
atacava tal qual um lince. Mas o adversário também era veloz. Enquanto o
general tentava acertar qualquer golpe que fosse, Eciel se evadia, sem
retrucar.
A situação deixou o general visivelmente incomodado. Após
mais de cinco minutos em uma espécie de jogo de gato e rato, nenhum dos dois
demonstrava cansaço. Sem deixar a arena, Eciel desviava de cada golpe, recuando
pouco a pouco. Evard continuava investindo, ficando cada vez mais irritado.
De repente o primeiro golpe. Ninguém viu como aconteceu,
apenas o desfecho. O general foi arremessado e caiu a 20 metros de distância. Estava
visivelmente furioso a essa altura. Murmurou algo que Laura não conseguiu
entender. Era muito provável que ambos os combatentes haviam se esquecido da
arquibancada e o público ao redor do centro da arena.
Em um piscar de olhos Evard começou a emanar uma forte
energia. O público todo conseguiu sentir a pressão exercida por ele. Uma aura
branca, quase imperceptível, cercou seu corpo. Os olhos brancos emitiam luz. O
combate ficara sério.
Ninguém viu como ele saiu do local onde estava e se
posicionou atrás de seu adversário. Eciel não demonstrou surpresa. Sem ao menos
encarar o general, o rapaz desviou de um golpe que certamente parecia fatal.
Evard demonstrava sinais de cansaço. Eciel permanecia
sereno, mantendo a mesma expressão que tinha desde o início do torneio. O
general ficou descontrolado. Movia-se de forma que o público não conseguia
vê-lo. Quem acompanhava a luta enxergava apenas os rastros da destruição
causada por ele na arena. Por onde passava, Evard levantava o chão.
Os narradores tratavam a evasão de Eciel como um milagre. A
arena toda sentia o impacto do general, mas o jovem permanecia intocado.
Dramática, a última luta do torneio chegava aos trinta minutos de duração.
De um lado estava um dos maiores vencedores do torneio,
agora encoberto por um manto quase translúcido. Do outro, um iniciante que
havia destronado a dama de fogo e estava prestes a destruí-lo.
Laura tentava acompanhar o ritmo dos combatentes, assim como
todos os presentes na arena. Foi quando Evard parou de se mexer. Sua força
acabou? Eciel esboçou um riso malicioso de canto de boca. Parecia estar
esperando a brecha para atacar o oponente, e aquela deveria ser a oportunidade.
Mas como? Havia o desafiante desconhecido sabotado o
general? Não, não era possível. Laura pensava que a luta foi estendida de
propósito. O objetivo era claro, fazer com que Evard usasse o máximo de poder e
acabasse fadigado em algum momento. Não parecia uma estratégia honrada, mas era
eficaz.
A plateia ficou estupefata com o que aconteceu a seguir.
Enquanto o general fazia esforço para até mesmo piscar os olhos, Eciel foi
coberto por uma aura vermelha. Sua roupa, até então branca, ficou preta. Olhos
e cabelos vermelhos. Agora, sim, se assemelhava à figura que aparecia nos
sonhos da dama de fogo. Teve certeza de que era ele.
A aura desapareceu, mas Eciel permaneceu em sua nova forma.
Outra revelação em seguida. A voz do desafiante reverberava pela arena. “Ouçam
todos. Chamo-me Rujick Fanyc, filho de Otto. Alguns de vocês me conhecem por
Vermelho. E neste momento sentencio Evard, general da Organização, a perder
todo seu prestígio e poderes”.
A arquibancada respondia com silêncio. Até mesmo as vozes
dos narradores se calaram. Os capas-brancas, soldados da Organização que faziam
a segurança do torneio moviam-se nervosamente entre o público, tentando chegar
ao centro da arena.
Em questão de milissegundos Vermelho se materializou diante
de Evard. A mão direita sobre a cabeça do general. Forte luz. O cabelo grisalho
ficou preto. O corpo perdeu os músculos visíveis e tomou feições esqueléticas.
Os olhos foram substituídos por dois buracos.
Evard não fora simplesmente derrotado, mas sim destruído. Os
capas-brancas alcançaram os combatentes. Espadas, armas de fogo e lanças
apontadas para Vermelho. Laura sentiu fluir a mesma energia monstruosa que
tomou conta do saguão de inscrições do torneio dias atrás.
Os soldados não conseguiam se mover. Ninguém se mexia. Os
olhos de Vermelho pareciam arder. E então ele sumiu. Nenhum rastro de energia.
Todos ainda estupefatos com o que acabaram de presenciar. Os capas-brancas
estavam perdidos, não sabiam como e onde procura-lo.
Mas Laura tinha uma pista do que fazer. Iria atrás do homem.
Queria, de uma vez por todas, descobrir o que seus sonhos significavam e o que
deveria fazer.
Este post faz parte do projeto "Contos de Naroly", com atualizações semanais. Siga o autor no Wattpad.
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