Levou algumas semanas até que o Torneio Místico de fato
chegasse à fase principal. Laura perdeu as contas de quantos combatentes
derrubou nas qualificatórias. Nenhum deles era quem procurava, no entanto.
Na fase regular, nenhum dos lutadores chamou atenção da dama
do fogo. Era visível seu desinteresse pelas lutas. Pisava na arena,
cumprimentava o adversário e em segundos voltava a sair.
Da primeira vez que participou do torneio fez questão de saborear
cada luta. Estudar os adversários. Encarava tudo como um grandioso show, à
época. A segunda competição era diferente. O público delirava quando a campeã
pisava na arena. Os gritos aumentavam cada vez que ela nocauteava um lutador.
Havia algum candidato páreo para Laura, a poderosa dama do
fogo? Ela nem mesmo tinha usado de suas chamas que a consagraram. A jovem
parecia ainda mais forte, aos olhos do público. “A dama do fogo não quer perder
tempo em busca de seu segundo título”, dizia a voz de um dos narradores, que
ecoava pela arena.
Então chegou a semifinal. Apenas uma luta separava a jovem
do confronto com aquele que ela acreditava ser a figura presente em seus
sonhos. Nem procurava mais saber quem eram seus adversários, tamanha era a
concentração que tinha na grande luta.
Saiu do vestiário. Caminhou lentamente até o centro da
arena. Enquanto andava, decidiu aproveitar ao menos aquele combate, e acenou
para a plateia. “A dama de fogo parece aquecida hoje”, disparou um
comentarista, fazendo o público gargalhar com o trocadilho. Laura também riu.
“Definitivamente vai ser um confronto histórico. De um lado
tempos a campeã da edição passada, um verdadeiro prodígio. Do outro, vemos um
desafiante que teve lutas extremamente rápidas, se é que podemos chamar isso de
luta”, declarou um narrador.
“Não é como se a campeã tivesse se estendido em seus
combates também. Tudo indica que haverá um confronto equilibrado”, complementou
outro apresentador.
Como assim um confronto equilibrado? Quem era o desafiante
que se colocava no caminho entre Laura e o combatente misterioso? Ficou curiosa
e acelerou o ritmo da caminhada até o palco da luta.
Subiu os degraus do centro da arena. Avistou uma figura
vindo do outro lado. Era seu adversário. Claramente o combatente que viu
diversas vezes em seus sonhos. Ironia enfrenta-lo em uma semifinal? Certamente,
concluiu.
“Espero que seja desafio suficiente pra mim”, disparou a
loira. Não sabia de onde vieram aquelas palavras, mas gostou de como soaram. O
desafiante não disse nada. Olhou para Laura, como se não acreditasse no que
acabara de ouvir.
Pela primeira vez ela viu os olhos de seu adversário.
Castanhos, tal qual o cabelo do indivíduo. Alguma coisa não estava certa,
pensou. Era como se os cabelos e olhos do rapaz não fossem naturais.
Não teve tempo de pensar mais sobre o assunto. Assim que o
árbitro autorizou, o combatente fez o primeiro movimento. Uma investida rápida
e direta. Não havia sequer movido os punhos. Não que Laura tivesse visto.
Ela sentiu frio. Como nunca havia sentido antes. Seria o
poder do desafiante? Não arriscou subestima-lo novamente. Em segundos o corpo
de Laura foi encoberto por magma ardente. Quem olhava de longe via o que
parecia ser um enorme pedaço de brasa.
“As coisas começaram a esquentar”, declarou um dos
narradores. A dama do fogo sequer ouviu o trocadilho. Focou seu olhar à frente,
no lutador que enfrentava. Após a primeira investida ele voltou à posição
inicial e ficou imóvel.
Apesar do fogo que lhe protegia, Laura ainda sentia frio.
Reparou que a mão esquerda estava congelando. Era o único lugar que o magma não
cobriu. Não poderia ser atingida novamente, pensou.
Investiu contra o adversário. Uma pequena chama se fez em
sua mão direita e foi disparada em direção ao lutador. Tão rápido que olhares
menos atentos não faziam ideia do que houve. O combatente permaneceu imóvel.
Era como se não tivesse sido atingido.
Laura enfureceu-se. Sentia-se humilhada. Como aquele homem
ousava fazer pouco caso da dama do fogo? Continuava ardendo, e o magma deixava
de ter a silhueta da moça para crescer.
O fogo tomou a forma de um ser enorme, bípede. A figura
tinha feições femininas e empunhava escudo e espada, feitos da mais pura chama.
O árbitro se afastou da arena. O público, nas arquibancadas, sentiu um enorme
desconforto por conta da temperatura. Tudo aconteceu enquanto Laura corria em
direção ao adversário.
Reparou na expressão do homem. O rosto mantinha a mesma
feição de quando ele pisou na arena. Pareceu não ter se impressionado com o
aparente poder da dama do fogo.
Ele começou a se mover, lentamente. Laura desferiu um soco.
Comandava a monstruosidade de fogo que a protegia. A espada chamuscante
transformou-se em uma mão ardente, que foi em direção ao lutador.
O rapaz desapareceu. Como? Foi tão rápido que ninguém conseguiu
ver. Ou quase. Acostumadas ao show do rapaz, duas figuras que estavam nas
arquibancadas assistiam a luta, mas não pareciam nada surpresas com o
desenrolar do combate.
Frio. Laura sentiu frio mais uma vez. As chamas que a
protegiam segundos atrás desapareceram mais rápido do que surgiram. A dama do
fogo sentiu o calor deixar seu corpo. Não conseguia se mexer. Uma camada azul
tomou conta da jovem.
Era claramente visível a quem estava nas arquibancadas. Laura
estava congelada. Ela sentia muito frio. De alguma forma, estava consciente,
mesmo que um bloco de gelo tenha se formado ao redor de seu corpo.
Conseguiria derreter? Buscou em seu interior a força
necessária para soltar-se, quebrar o gelo. O árbitro ensaiava voltar ao palco
da luta e declarar o desafiante como vencedor quando o coração da moça explodiu
em chamas.
O gelo transformou-se em vapor, tamanha era a temperatura
emanando de Laura. Estava diferente. Nenhum magma cobria seu corpo. Laura
sentia como se fosse o próprio fogo. O público delirou com seu retorno
triunfante. Mas isso não impressionou o lutador.
“Acredite em mim, não é nada pessoal”, ela ouviu dos lábios
do adversário. Quando se aproximou tanto dela? A voz era a mesma que ouviu em
seus sonhos. Laura teve certeza de que era ele.
Conseguiu sentir o toque do adversário na pele. Por pouco
tempo. Ele se posicionou à frente da dama do fogo e a golpeou no peito
esquerdo. Era como se sua mão tivesse atingido o coração de Laura.
Frio. Mais uma vez. O gelo estava agora nas veias da moça.
Sentia o coração bater cada vez menos. A consciência começou a se esvair. “A
propósito, você sequer perguntou meu nome. Me chamam de Vermelho”, disse o
adversário, enquanto o mundo da mulher escurecia.
Este post faz parte do projeto "Contos de Naroly", com atualizações semanais. Siga o autor no Wattpad.
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