sábado, 6 de outubro de 2018

Quebrando o gelo


Levou algumas semanas até que o Torneio Místico de fato chegasse à fase principal. Laura perdeu as contas de quantos combatentes derrubou nas qualificatórias. Nenhum deles era quem procurava, no entanto.

Na fase regular, nenhum dos lutadores chamou atenção da dama do fogo. Era visível seu desinteresse pelas lutas. Pisava na arena, cumprimentava o adversário e em segundos voltava a sair.

Da primeira vez que participou do torneio fez questão de saborear cada luta. Estudar os adversários. Encarava tudo como um grandioso show, à época. A segunda competição era diferente. O público delirava quando a campeã pisava na arena. Os gritos aumentavam cada vez que ela nocauteava um lutador.

Havia algum candidato páreo para Laura, a poderosa dama do fogo? Ela nem mesmo tinha usado de suas chamas que a consagraram. A jovem parecia ainda mais forte, aos olhos do público. “A dama do fogo não quer perder tempo em busca de seu segundo título”, dizia a voz de um dos narradores, que ecoava pela arena.

Então chegou a semifinal. Apenas uma luta separava a jovem do confronto com aquele que ela acreditava ser a figura presente em seus sonhos. Nem procurava mais saber quem eram seus adversários, tamanha era a concentração que tinha na grande luta.

Saiu do vestiário. Caminhou lentamente até o centro da arena. Enquanto andava, decidiu aproveitar ao menos aquele combate, e acenou para a plateia. “A dama de fogo parece aquecida hoje”, disparou um comentarista, fazendo o público gargalhar com o trocadilho. Laura também riu.

“Definitivamente vai ser um confronto histórico. De um lado tempos a campeã da edição passada, um verdadeiro prodígio. Do outro, vemos um desafiante que teve lutas extremamente rápidas, se é que podemos chamar isso de luta”, declarou um narrador.

“Não é como se a campeã tivesse se estendido em seus combates também. Tudo indica que haverá um confronto equilibrado”, complementou outro apresentador.

Como assim um confronto equilibrado? Quem era o desafiante que se colocava no caminho entre Laura e o combatente misterioso? Ficou curiosa e acelerou o ritmo da caminhada até o palco da luta.
Subiu os degraus do centro da arena. Avistou uma figura vindo do outro lado. Era seu adversário. Claramente o combatente que viu diversas vezes em seus sonhos. Ironia enfrenta-lo em uma semifinal? Certamente, concluiu.

“Espero que seja desafio suficiente pra mim”, disparou a loira. Não sabia de onde vieram aquelas palavras, mas gostou de como soaram. O desafiante não disse nada. Olhou para Laura, como se não acreditasse no que acabara de ouvir.

Pela primeira vez ela viu os olhos de seu adversário. Castanhos, tal qual o cabelo do indivíduo. Alguma coisa não estava certa, pensou. Era como se os cabelos e olhos do rapaz não fossem naturais.
Não teve tempo de pensar mais sobre o assunto. Assim que o árbitro autorizou, o combatente fez o primeiro movimento. Uma investida rápida e direta. Não havia sequer movido os punhos. Não que Laura tivesse visto.

Ela sentiu frio. Como nunca havia sentido antes. Seria o poder do desafiante? Não arriscou subestima-lo novamente. Em segundos o corpo de Laura foi encoberto por magma ardente. Quem olhava de longe via o que parecia ser um enorme pedaço de brasa.

“As coisas começaram a esquentar”, declarou um dos narradores. A dama do fogo sequer ouviu o trocadilho. Focou seu olhar à frente, no lutador que enfrentava. Após a primeira investida ele voltou à posição inicial e ficou imóvel.

Apesar do fogo que lhe protegia, Laura ainda sentia frio. Reparou que a mão esquerda estava congelando. Era o único lugar que o magma não cobriu. Não poderia ser atingida novamente, pensou.

Investiu contra o adversário. Uma pequena chama se fez em sua mão direita e foi disparada em direção ao lutador. Tão rápido que olhares menos atentos não faziam ideia do que houve. O combatente permaneceu imóvel. Era como se não tivesse sido atingido.

Laura enfureceu-se. Sentia-se humilhada. Como aquele homem ousava fazer pouco caso da dama do fogo? Continuava ardendo, e o magma deixava de ter a silhueta da moça para crescer.

O fogo tomou a forma de um ser enorme, bípede. A figura tinha feições femininas e empunhava escudo e espada, feitos da mais pura chama. O árbitro se afastou da arena. O público, nas arquibancadas, sentiu um enorme desconforto por conta da temperatura. Tudo aconteceu enquanto Laura corria em direção ao adversário.

Reparou na expressão do homem. O rosto mantinha a mesma feição de quando ele pisou na arena. Pareceu não ter se impressionado com o aparente poder da dama do fogo.

Ele começou a se mover, lentamente. Laura desferiu um soco. Comandava a monstruosidade de fogo que a protegia. A espada chamuscante transformou-se em uma mão ardente, que foi em direção ao lutador.

O rapaz desapareceu. Como? Foi tão rápido que ninguém conseguiu ver. Ou quase. Acostumadas ao show do rapaz, duas figuras que estavam nas arquibancadas assistiam a luta, mas não pareciam nada surpresas com o desenrolar do combate.

Frio. Laura sentiu frio mais uma vez. As chamas que a protegiam segundos atrás desapareceram mais rápido do que surgiram. A dama do fogo sentiu o calor deixar seu corpo. Não conseguia se mexer. Uma camada azul tomou conta da jovem.

Era claramente visível a quem estava nas arquibancadas. Laura estava congelada. Ela sentia muito frio. De alguma forma, estava consciente, mesmo que um bloco de gelo tenha se formado ao redor de seu corpo.

Conseguiria derreter? Buscou em seu interior a força necessária para soltar-se, quebrar o gelo. O árbitro ensaiava voltar ao palco da luta e declarar o desafiante como vencedor quando o coração da moça explodiu em chamas.

O gelo transformou-se em vapor, tamanha era a temperatura emanando de Laura. Estava diferente. Nenhum magma cobria seu corpo. Laura sentia como se fosse o próprio fogo. O público delirou com seu retorno triunfante. Mas isso não impressionou o lutador.

“Acredite em mim, não é nada pessoal”, ela ouviu dos lábios do adversário. Quando se aproximou tanto dela? A voz era a mesma que ouviu em seus sonhos. Laura teve certeza de que era ele.

Conseguiu sentir o toque do adversário na pele. Por pouco tempo. Ele se posicionou à frente da dama do fogo e a golpeou no peito esquerdo. Era como se sua mão tivesse atingido o coração de Laura.

Frio. Mais uma vez. O gelo estava agora nas veias da moça. Sentia o coração bater cada vez menos. A consciência começou a se esvair. “A propósito, você sequer perguntou meu nome. Me chamam de Vermelho”, disse o adversário, enquanto o mundo da mulher escurecia.

Este post faz parte do projeto "Contos de Naroly", com atualizações semanais. Siga o autor no Wattpad

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